DIA DE
PORTUGAL – 10 DE JUNHO DE 2012
PALAVRAS DO PROF. DOUTOR MANUEL ANTUNES
AOS COMBATENTES DA GUERRA DO ULTRAMAR
Estimados Combatentes,
Quero agradecer-vos a suprema honra de poder
estar, aqui e hoje, convosco. Não me reconheço os dotes que presumivelmente
estiveram na origem do convite que me foi feito pela Comissão Executiva deste
Encontro e que outros, em anos anteriores, evidenciaram. No entanto, as
palavras deste ilustre desconhecido que está perante vós, que não serão um
modelo de retórica, são certamente sentidas. Como escreveu o poeta:
Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
No 10 de Junho, celebramos o Dia de Portugal,
Dia de Camões, o poeta da nossa epopeia ultramarina. Estamos todos aqui, neste
local histórico, à sombra da Torre de Belém, que simboliza os Descobrimentos Portugueses,
para celebrar Portugal e honrar os seus combatentes, os seus heróis.
Homenageamos os que combateram na guerra do
Ultramar, a mais recente e que ainda está bem viva na memória de muitos, e em
que pereceram quase nove mil portugueses europeus e africanos, cujos nomes
estão para sempre gravados neste monumento. Tal como os navegadores de antanho,
muitos destes deixaram as suas terras para defender a Pátria em terras
longínquas, que a maior parte até desconhecia.
Homenageamos todos os outros que deram a vida
pela Pátria ao longo da sua história, neste rol incluindo aqueles que, mais
recentemente, o fizeram em missões de paz em que, como cidadãos do mundo,
estivemos e continuamos a estar envolvidos em várias partes do planeta.
Todos merecem o nosso mais profundo
reconhecimento. "Ditosa Pátria que tais filhos tem". Não tenhamos
medo desta frase, como não devemos ter medo de afirmar, como Vasco da Gama,
"Ditosa Pátria minha amada". Porque estes Homens só morrem quando a
Pátria se esquece deles. E porque não nos esquecemos deles, aqui viemos hoje.
Mas não recordamos apenas os que perderam a
sua vida na guerra, homenageamos também um enorme número de combatentes ainda
vivos, a merecer reconhecimento, e de que há muitos, ainda, a sofrer as
consequências de uma guerra por Portugal, com referência especial para os mais
de 15.000 deficientes do Ultramar. Os Portugueses homenageiam-vos a todos vós
que aqui estais e aos vossos camaradas que aqui não puderam vir.
É claro que há por aí quem não goste do que aqui
estamos a fazer. Mas como disse, há pouco mais de um ano, o Senhor Presidente
da República, por ocasião do 50º. Aniversário do início da guerra em África,
"...hoje aqui não homenageamos uma época, um regime ou uma guerra.
Trata-se, simplesmente, de uma homenagem da Pátria àqueles que se encontram
entre os seus melhores servidores".
Ainda que algo se tenha progredido nos últimos
anos, lamento a forma como os Antigos Combatentes da Guerra de Ultramar foram,
e continuam a ser desconsiderados, mesmo maltratados, o que evidencia um triste
retrato de Portugal.
Um retrato que se começa a fazer na escola.
Escola de onde entretanto desapareceu o culto da Pátria, da bandeira, do hino.
Escola onde, quase quatro décadas depois, ainda se escamoteia e até se deturpa
uma parte importante da nossa história, mas a que a história um dia fará
justiça.
Como também disse o nosso Presidente, "é
importante transmitir às gerações mais novas, o testemunho de quem enfrentou a
adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria
também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a
solidariedade, o profissionalismo, o mérito e a honra, a família e o
País".
De um Antigo Combatente li que, "só assim
se pode incutir nos mais novos o sentimento de que pertencem a uma nação, com
as suas vitórias e as suas derrotas, os seus momentos de glória e os seus
períodos de desânimo. Não se pode compreender um país se não se conhecer o seu
passado, com tudo o que teve de bom e de menos bom".
Homenageamos hoje, pois, a entrega e o
espírito de missão dos nossos combatentes, com o coração e a alma cheios de
orgulho no que fizeram. Em combate e fora dele. Na integração com as populações
locais, sem precedentes noutras guerras e entre outros povos, e que é
amplamente reconhecida pelos próprios cidadãos desses hoje países
independentes.
Estamos, nestes tempos, a virar a página. As
nossas ligações com África são hoje mais fortes que nunca. A promoção da
lusofonia africana, que nos pode ajudar a libertarmo-nos de alguns dos nossos
problemas, é agora um dos nossos desígnios. A vossa luta também ajudou a criar
um ambiente propício para este diálogo. Afinal, a história está, uma vez mais,
a reescrever-se e a reencontrar-se consigo própria.
Nestes dias, o País atravessa, novamente, uma
situação difícil. Todos nós sofremos as suas consequências. Contudo, comparados
com as vicissitudes desse tempo, os problemas que o País enfrenta hoje até
parecerão menores. Se os conseguimos resolver então, certamente os resolveremos
hoje.
Caros combatentes,
Permitam-me, finalmente, que aproveite a minha
presença aqui para destacar o pessoal da saúde das nossas Forças Armadas,
médicos, enfermeiros, técnicos e outros que deram apoio médico-sanitário nos
teatros-de-operações ultramarinos. Como médico, não podia deixar de aqui
prestar homenagem a todos aqueles que, na frente de combate ou na rectaguarda,
resgataram da morte as vossas vidas. Alguns pagaram também com a própria vida
essa sua dedicação à causa.
Mas não foi apenas na guerra que se
destacaram. Eles ajudaram a estabelecer uma rede de centros de saúde de que
resultou uma cobertura médico-sanitária efectiva onde antes não existia nada.
As populações desses territórios foram os beneficiários directos dessa actuação
e ainda hoje o recordam. Sou testemunha disso, como sou testemunha dessa
actividade, porque por lá vivia então. Convivi com alguns, aprendi com alguns.
É necessário não esquecer que 40% do orçamento das Forças Armadas no Ultramar
era dedicado à acção social. Também desta forma se contribuiu para a construção
do futuro
Queridos combatentes,
Termino, como comecei, citando Camões:
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.
Os Portugueses não vos esquecem. Os
Portugueses não esquecem o que vos devem.
Viva
Portugal!
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