quinta-feira, 28 de junho de 2012

ILÍDIO FERNANDO SILVA PEDROSA ROCHA – Guiné



Mensagem de Ilídio Fernando Silva Pedrosa Rocha, Soldado Condutor-Auto, CCAÇ 797, Guiné, 1965/67, em Tite e Nhacra.
Assentei praça no dia 20 de Julho de 1964, no CICA 1, Centro de Instrução e Condução Auto, no Porto.
Fiz a especialidade de Condutor Auto no RI 6 – Regimento de Infantaria, na Senhora da Hora, em 18 de Outubro de 1964.
Em 6 de Dezembro de 1964 fui colocado no Regimento de Infantaria 1, na Amadora e fui mobilizado.
Na zona de Mafra e da Serra de Sintra fiz o IAO – Instrução de Aperfeiçoamento Operacional.
Passei então a integrar a Companhia de Caçadores 797 que recebeu o nome de “Os Camelos” e que tinha como divisa “O inimigo teme sempre quem não o mostrar temer”.
Em 23 de Abril de 1965 embarquei no paquete “Uíge” com destino à Guiné, fazendo parte da CCAÇ 797, onde cheguei no dia 28. Neste mesmo dia embarquei numa LDM – lancha de desembarque médio – com destino a Tite. A minha companhia foi render a CCAÇ 423. Estive nesta localidade durante treze meses. Como na zona de Tite o terreno tinha muitas minas anti-carro, não exercia as funções de condutor; durante este tempo tive de exercer actividade como caçador especial integrando o 3º. Grupo de combate nas operações da Companhia.
A bordo de uma LDM no Rio Geba
Em Tite a actividade operacional era altamente perigosa, mas a CCAÇ 797 procurou não deixar o IN abusar e sofremos bastante, tendo felizmente saído bem desta situação. Neste período a Companhia efectuou 275 emboscadas, 211 patrulhamentos, 17 cercos e operações de limpeza de povoações, 22 golpes de mão e 17 operações conjuntas com outras Companhias e com grupos de para-quedistas. Destruímos ao In 25 acampamentos e 28 tabancas. Segundo os números da unidade, percorremos 5.722 quilómetros a pé através das matas, bolanhas e tarrafos.

O filtro de água no quartel de Tite
Felizmente “Roncos” (operações com sucesso) não faltaram, tendo capturado ao IN 50 peças de armamento variado, com destaque para as acções na região de Gã Saúde e Jufá em que capturámos duas metralhadoras, dois roquetes RPG 2 e 28 espingardas.
Apesar de todos os cuidados acabaram por perder a vida em combate durante a comissão oito colegas e tivemos um total de 53 feridos.
Não posso esquecer a memória dos nossos mortos:
12/08/1965 - Júlio Lemos Pereira Martins
12/08/1965 – Inácio de Freitas Ferreira
30/09/1965 – Aníbal Alves Pires
18/10/1965 – Diogo Amaro Neves
01/11/1965 – Manuel António Amaral Nobre
18/03/1966 – Alberto Tibúrcio da Silva
11/05/1966 – Juidé Mané
17/06/1966 – Jorge Augusto Maria Brás
Que descansem em paz.
Em 16 de Maio de 1966 mudamos provisoriamente para a zona de Bissau, para o célebre quartel conhecido como o 600, junto ao Palácio do Governador, tendo ficado a aguardar o próximo quartel que nos seria destinado.

O Unimog que habitualmente conduzia mas missões de patrulhamento
Em 3 de Junho de 1966 fomos colocados em Nhacra e no dia 6 assumimos a responsabilidade deste Subsector com destacamentos em Safim e em S. João de Landim, com a missão de tomar conta das estradas que ligavam a Bissau. Missão nada fácil e uma grande responsabilidade sobre todos nós. A minha missão passou a ser a de fazer patrulhamentos, já como condutor (a minha especialidade), nas picadas, tendo um raio de acção de trinta quilómetros em toda a cintura da capital, incluindo o Aeroporto de Bissalanca.
Nesta zona, perto da capital, o IN não se mostrava, a sua actividade era silenciosa, mas tivemos de manter a mesma pressão que exercemos em Tite – não mostrar medo nem dar descanso.
Junto da nossa enfermaria móvel

Em Janeiro de 1967 constou que íamos mudar de novo de quartel mas acabou por vir uma boa notícia – o regresso à Metrópole estava para breve. Fomos rendidos pela CCAÇ 1487 no dia 16. No dia 20 de Janeiro embarcámos de novo no paquete “Uíge” que nos havia levada para a nossa missão foi o mesmo que nos trouxe de volta. Chegámos no dia 26 de Janeiro, com o dever cumprido.
De referir que a CCAÇ 797 foi comandada pelo Capitão de Infantaria Carlos Fabião; como Comandante da CCAÇ 797 foi condecorado com a Medalha de Prata de Valor Militar com Palma. Após o 25 de Abril foi nomeado Governador Geral da Guiné; faleceu em 2 de  Abril de 2006.

“Àqueles que fizeram do Camelo um símbolo e que em torno desse símbolo se uniram e constituíram uma força coesa para servir a Pátria, com generosidade, coragem e determinação, nas Portuguesas terras da Guiné, o muito obrigado daquele que teve a honra e o orgulho de os comandar”. – Capitão Carlos Fabião

segunda-feira, 18 de junho de 2012

DIA DE PORTUGAL


DIA DE PORTUGAL – 10 DE JUNHO DE 2012

PALAVRAS DO PROF. DOUTOR MANUEL ANTUNES AOS COMBATENTES DA GUERRA DO ULTRAMAR

Estimados Combatentes,

Quero agradecer-vos a suprema honra de poder estar, aqui e hoje, convosco. Não me reconheço os dotes que presumivelmente estiveram na origem do convite que me foi feito pela Comissão Executiva deste Encontro e que outros, em anos anteriores, evidenciaram. No entanto, as palavras deste ilustre desconhecido que está perante vós, que não serão um modelo de retórica, são certamente sentidas. Como escreveu o poeta:

Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.

No 10 de Junho, celebramos o Dia de Portugal, Dia de Camões, o poeta da nossa epopeia ultramarina. Estamos todos aqui, neste local histórico, à sombra da Torre de Belém, que simboliza os Descobrimentos Portugueses, para celebrar Portugal e honrar os seus combatentes, os seus heróis.

Homenageamos os que combateram na guerra do Ultramar, a mais recente e que ainda está bem viva na memória de muitos, e em que pereceram quase nove mil portugueses europeus e africanos, cujos nomes estão para sempre gravados neste monumento. Tal como os navegadores de antanho, muitos destes deixaram as suas terras para defender a Pátria em terras longínquas, que a maior parte até desconhecia.

Homenageamos todos os outros que deram a vida pela Pátria ao longo da sua história, neste rol incluindo aqueles que, mais recentemente, o fizeram em missões de paz em que, como cidadãos do mundo, estivemos e continuamos a estar envolvidos em várias partes do planeta.

Todos merecem o nosso mais profundo reconhecimento. "Ditosa Pátria que tais filhos tem". Não tenhamos medo desta frase, como não devemos ter medo de afirmar, como Vasco da Gama, "Ditosa Pátria minha amada". Porque estes Homens só morrem quando a Pátria se esquece deles. E porque não nos esquecemos deles, aqui viemos hoje.

Mas não recordamos apenas os que perderam a sua vida na guerra, homenageamos também um enorme número de combatentes ainda vivos, a merecer reconhecimento, e de que há muitos, ainda, a sofrer as consequências de uma guerra por Portugal, com referência especial para os mais de 15.000 deficientes do Ultramar. Os Portugueses homenageiam-vos a todos vós que aqui estais e aos vossos camaradas que aqui não puderam vir.

É claro que há por aí quem não goste do que aqui estamos a fazer. Mas como disse, há pouco mais de um ano, o Senhor Presidente da República, por ocasião do 50º. Aniversário do início da guerra em África, "...hoje aqui não homenageamos uma época, um regime ou uma guerra. Trata-se, simplesmente, de uma homenagem da Pátria àqueles que se encontram entre os seus melhores servidores".

Ainda que algo se tenha progredido nos últimos anos, lamento a forma como os Antigos Combatentes da Guerra de Ultramar foram, e continuam a ser desconsiderados, mesmo maltratados, o que evidencia um triste retrato de Portugal.

Um retrato que se começa a fazer na escola. Escola de onde entretanto desapareceu o culto da Pátria, da bandeira, do hino. Escola onde, quase quatro décadas depois, ainda se escamoteia e até se deturpa uma parte importante da nossa história, mas a que a história um dia fará justiça.

Como também disse o nosso Presidente, "é importante transmitir às gerações mais novas, o testemunho de quem enfrentou a adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a solidariedade, o profissionalismo, o mérito e a honra, a família e o País".

De um Antigo Combatente li que, "só assim se pode incutir nos mais novos o sentimento de que pertencem a uma nação, com as suas vitórias e as suas derrotas, os seus momentos de glória e os seus períodos de desânimo. Não se pode compreender um país se não se conhecer o seu passado, com tudo o que teve de bom e de menos bom".

Homenageamos hoje, pois, a entrega e o espírito de missão dos nossos combatentes, com o coração e a alma cheios de orgulho no que fizeram. Em combate e fora dele. Na integração com as populações locais, sem precedentes noutras guerras e entre outros povos, e que é amplamente reconhecida pelos próprios cidadãos desses hoje países independentes.

Estamos, nestes tempos, a virar a página. As nossas ligações com África são hoje mais fortes que nunca. A promoção da lusofonia africana, que nos pode ajudar a libertarmo-nos de alguns dos nossos problemas, é agora um dos nossos desígnios. A vossa luta também ajudou a criar um ambiente propício para este diálogo. Afinal, a história está, uma vez mais, a reescrever-se e a reencontrar-se consigo própria.

Nestes dias, o País atravessa, novamente, uma situação difícil. Todos nós sofremos as suas consequências. Contudo, comparados com as vicissitudes desse tempo, os problemas que o País enfrenta hoje até parecerão menores. Se os conseguimos resolver então, certamente os resolveremos hoje.

Caros combatentes,

Permitam-me, finalmente, que aproveite a minha presença aqui para destacar o pessoal da saúde das nossas Forças Armadas, médicos, enfermeiros, técnicos e outros que deram apoio médico-sanitário nos teatros-de-operações ultramarinos. Como médico, não podia deixar de aqui prestar homenagem a todos aqueles que, na frente de combate ou na rectaguarda, resgataram da morte as vossas vidas. Alguns pagaram também com a própria vida essa sua dedicação à causa.

Mas não foi apenas na guerra que se destacaram. Eles ajudaram a estabelecer uma rede de centros de saúde de que resultou uma cobertura médico-sanitária efectiva onde antes não existia nada. As populações desses territórios foram os beneficiários directos dessa actuação e ainda hoje o recordam. Sou testemunha disso, como sou testemunha dessa actividade, porque por lá vivia então. Convivi com alguns, aprendi com alguns. É necessário não esquecer que 40% do orçamento das Forças Armadas no Ultramar era dedicado à acção social. Também desta forma se contribuiu para a construção do futuro

Queridos combatentes,

Termino, como comecei, citando Camões:

Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.

Os Portugueses não vos esquecem. Os Portugueses não esquecem o que vos devem.

Viva Portugal!